O que parece economia hoje pode se transformar em um passivo irreversível amanhã. Entenda os riscos e como estruturar contratações seguras.
A pejotização tem sido amplamente adotada por empresas como uma estratégia para reduzir encargos trabalhistas e otimizar a folha de pagamento. No primeiro momento, essa prática aparenta ser uma solução eficiente, trazendo economia ao empresário e conferindo maior flexibilidade à relação profissional. No entanto, o que se apresenta como um benefício imediato pode rapidamente se transformar em um passivo jurídico e financeiro de grandes proporções. O crescente número de ações trabalhistas envolvendo contratações fraudulentas de PJs - Pessoas Jurídicas revela que, em muitos casos, o barato sai caro, comprometendo a sustentabilidade do negócio e gerando prejuízos irreversíveis.
A principal justificativa para a pejotização é a significativa redução de custos para a empresa, já que, ao contratar um profissional como PJ, o empregador evita encargos como INSS, FGTS, férias, 13º salário e demais obrigações previstas na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. O modelo, à primeira vista, parece vantajoso para ambas as partes: o contratado recebe valores líquidos mais altos e a empresa se livra dos tributos trabalhistas. Contudo, essa aparente vantagem desmorona quando se constata que, em muitos casos, a relação estabelecida não possui as características de uma prestação de serviço autônoma, mas sim de um vínculo empregatício disfarçado.
A Justiça do Trabalho tem consolidado o entendimento de que, sempre que houver subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade, há vínculo empregatício, independentemente do contrato formalizado entre as partes. Esse entendimento está alinhado ao art. 3º da CLT, que estabelece que empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário. Em diversas decisões recentes, grandes empresas foram condenadas a reconhecer o vínculo empregatício de profissionais contratados sob esse modelo, arcando com indenizações milionárias, pagamento de verbas rescisórias e recolhimento retroativo de encargos trabalhistas.
Um caso emblemático envolveu uma gigante do setor de tecnologia, que foi condenada a reconhecer o vínculo empregatício de mais de cinquenta trabalhadores contratados como PJ. A decisão gerou um passivo inesperado, além de repercussão negativa no mercado. Outro exemplo foi o de um hospital que, após anos de pejotização irregular de médicos, foi obrigado a pagar mais de R$ 2 milhões em indenizações e encargos trabalhistas, uma vez que os profissionais atuavam sob ordens diretas, tinham carga horária fixa e não possuíam autonomia na prestação de serviços. Essas condenações demonstram que a economia proporcionada pela pejotização fraudulenta pode ser rapidamente superada pelos custos decorrentes de litígios trabalhistas e seus desdobramentos.
Apesar dos riscos, a terceirização e a contratação de prestadores de serviço PJ são práticas absolutamente legítimas e podem ser vantajosas, desde que estruturadas corretamente. A lei 13.429/17, complementada pela lei 13.467/17, permite a terceirização de qualquer atividade da empresa, inclusive sua atividade-fim. No entanto, para que a contratação de um prestador de serviços não seja caracterizada como vínculo empregatício, é fundamental que ele mantenha autonomia na execução das atividades, sem estar sujeito à subordinação direta, controle de jornada ou ordens diretas da empresa contratante.
Além disso, a relação contratual deve garantir liberdade na execução do trabalho, possibilidade de prestação de serviços para outros clientes e remuneração atrelada à entrega de resultados, e não ao tempo de serviço, evitando indícios de vínculo empregatício. Dessa forma, a terceirização se mantém dentro dos limites legais, reduzindo riscos de passivos trabalhistas para a empresa contratante
Outro ponto crucial para a segurança jurídica da contratação é a formalização de um contrato bem estruturado, que deixe clara a natureza da relação entre as partes. Esse contrato deve prever cláusulas que reforcem a independência do prestador de serviço, vedando qualquer obrigação típica de vínculo empregatício. A emissão de notas fiscais, o uso de equipamentos próprios pelo prestador e a inexistência de subordinação hierárquica também são fatores que ajudam a afastar a configuração de vínculo empregatício
Portanto, a pejotização, quando utilizada de forma irregular, representa um risco significativo para as empresas. Embora, à primeira vista, pareça um modelo mais econômico, a longo prazo, os custos de uma condenação trabalhista podem ser devastadores. Diante desse cenário, o caminho mais seguro para empresários não é apenas evitar a pejotização fraudulenta, mas estruturar contratações legítimas, garantindo conformidade legal. A falsa economia pode custar caro, e o sucesso empresarial deve estar alicerçado na segurança jurídica e no respeito às leis trabalhistas.
Kelly Viana
Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.
MIGALHAS
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