Apesar do casamento entre juros e inflação altos, cenário ainda não é tão caótico, segundo especialistas


Imagine uma situação em que o governo aumente os juros e, em vez de baixar, como se espera, a inflação suba mais ainda. De forma bem simplificada, este é o conceito de dominância fiscal. Trata-se de uma situação econômica extrema, na qual a dívida pública chega em nível muito alto e provoca medo nos investidores. Apesar dos juros atrativos, eles retiram o dinheiro do país, receando uma quebradeira geral. Com menos dólar no mercado, a taxa de câmbio sobe e pressiona os preços também para cima. 

Para alguns especialistas, essa seria a situação atual do Brasil, que mantém a taxa básica de juros (Selic) de 14,25% ao ano e uma inflação acumulada nos últimos 12 meses em 9,49%. A reportagem ouviu três economistas a respeito. Nenhum deles acredita que o País esteja vivendo uma dominância fiscal. "Esta é uma questão complicada, que a mídia às vezes trabalha de forma incorreta", afirma o economista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marcelo Curado. "É uma situação muito grave em que o risco dos títulos públicos fica tão alto que afugenta os investidores", complementa. Para isso acontecer, conforme explica Curado, o país tem de estar numa "situação de default (quebradeira)". "Nossa dívida não representa esse risco", declara. 

Isso não significa, segundo ele, que o País esteja livre de chegar a esse cenário tão caótico. "Se não for feito o ajuste fiscal, se a dívida continuar aumentando nesta proporção, poderemos ter dominância fiscal lá na frente", alega. Para o economista, se o governo não conseguir aprovar a criação da CPMF no Congresso, terá de aumentar outro imposto, como a Cide. "Não tem outra saída. Não podemos ficar com esse buraco fiscal." 

O professor diz que o ideal seria o ajuste acontecer por meio de corte de gastos e não de aumento de impostos. Mas, ele não vê possibilidades de isso ocorrer. "Cerca de 90% do orçamento do governo é rígido. Então, num curto prazo, será preciso aumentar a arrecadação", justifica. 

Renato Pianowski, economista e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), também não acredita que haja dominância fiscal no País. Para ele, há algumas explicações para o fato de a inflação não ter sido controlada, apesar dos juros altos. "Um deles é que o governo não para de gastar", afirma. O economista diz que o aumento de juros é um "remédio amargo" para conter a inflação que deveria ter sido utilizado há mais tempo. "O governo brincou com o País. Deixou os preços aumentarem descontroladamente. Na hora de subir, os preços sobem como rastilho de pólvora. Para descer, demora." 

Pianowski acredita que o governo também falhou em lidar com o câmbio, já que a alta do dólar ajuda a elevar os preços. O erro teria sido "queimar US$ 90 bilhões de dólares" no mercado futuro. "Não resolveu nada. Deveria ter colocado parte das reservas no mercado à vista. Aí, teria funcionado. Agora acho que não funcionaria mais", opina. 

O economista não vê espaço para mais impostos. "A carga tributária, de 36% do PIB, é tão grande que a economia não anda mais. E ainda querem uma CPMF", critica.


 


Fonte: Folha de Londrina, 21 de outubro de 2015; fetraconspar.org.br